domingo, 17 de abril de 2011

SEMANA SANTA 2011

Pe. AGUSTIN CALATAYUD SALON, SJ

        Vamos celebrar a Semana Santa. Certamente, participaremos da grande liturgia da Igreja que se espalha por toda esta semana, revivendo cada um dos momentos cruciais da vida e morte, da Páscoa do Senhor. Mas, penso em como podemos fazer que nossa semana seja verdadeiramente “santa” e lembro o hino que nos traz a carta de São Paulo aos filipenses. Não faltavam desentendimentos entre os cristãos de Filipos, quando Paulo se viu obrigado a pedir que “tivessem os mesmos sentimentos de Cristo que, sendo de condição divina, não reteve avidamente seu ser igual a Deus. Senão, despojou-se de si mesmo, tomando a condição de servo, fazendo-se semelhante aos homens, e aparecendo como homem, e humilhou-se a si mesmo, obedecendo até a morte e morte de cruz”.
       É a primeira parte do hino que nos fala da kenose ou humilhação. Provavelmente é anterior a Paulo. É a fé das primitivas comunidades cristãs. A segunda parte do hino nos fala de sua exaltação. Glorificação de Jesus e de Deus, “por causa” de sua humilhação primeira.
É a nossa fé hoje: como Jesus, “que era de condição divina”, se afundou na mais profunda humilhação do ser humano, na desmoralização absoluta no sofrimento e morte na cruz, nosso seguimento dele, não pode deixar de considerar aqueles que são crucificados hoje.
São muitos. Demais e por motivos variados. Mas minha reflexão me conduz agora para um dado estatístico, trazido pela TV. Em algum escrito anterior postado neste blog, lancei a pergunta: alguém por aí sabe quantos morrem de “morte matada” em nosso país? O jornalista-apresentador Alexandre Garcia, no programa Bom dia Brasil, deu a resposta: cinqüenta mil pessoas por ano são mortas com arma de fogo no Brasil. Não sei se há algum outro país que, em tempos de “paz” (ai!), conte tantos mortos.
       Podemos pensar que, Jesus foi condenado injustamente, enquanto que estes mortos, senão todos, muitos deles mereciam... A gente escuta estes comentários por aí. Por isso me pergunto:
1º Jesus foi crucificado injustamente? Certamente não, para a justiça romana. Jesus, que anunciava a chegada do Reinado de Deus, isto é, segundo a Lei mosaica e não de acordo com a lei do Império, aclamado em sua entrada em Jerusalém como rei dos judeus ou filho de Davi, era um atentado contra a autoridade romana. Ser “filho de Davi”, independentemente de se Jesus era descendente direto de Davi ou não, era uma proclamação messiânica ou real em toda regra. Para a autoridade romana, Jesus foi condenado por ser um revolucionário ou um bandido, no estilo da época. Para a aristocracia sacerdotal do Templo, esta proclamação não era problema. Outros haviam sido proclamado antes de Jesus e outros seriam proclamados depois dele. Mas Jesus chocou com a autoridade sacerdotal do Templo e denunciara o abuso. E isto, sim, era um problema que, poderia se avolumar e ter conseqüências catastróficas para eles, se a figura de Jesus de Nazaré crescesse. Nada tinham a perder com a execução daquele  Galileu. Um Galileu a mais ou a menos, não mudava nada para eles e os privilégios do clero.
       2º E os cinqüenta mil mortos anuais, são mais pecadores do que todos os outros que sobrevivemos no Brasil? Faço esta pergunta assim, para lembrar a resposta do Senhor: “Não! E se todos nós não fizermos penitencia vamos perecer todos do mesmo modo”. Temos que esquecer a mania de julgar e condenar e crucificar os outros, porque são drogadictos ou alcoólicos ou... seja lá o que for, e considerar aquilo que etiquetávamos quando eu era estudante de “pecado estrutural”. Em vez de olhar para o nosso próprio umbigo, é bom abrir nosso horizonte para o pecado estrutural, do qual todos somos partícipes ou responsáveis (como política, economia ou sociedade), do mundo que está aí destruindo uns e outros (Caim que continua matar seu irmão Abel –por descrever segundo o mito bíblico), os uns como vítimas, os outros como algozes, pois ninguém sai impune deste desastre. Talvez, o inconsciente...
       3º Para o evangelista João, ao pé da cruz do Senhor, apenas ficaram a mãe, Maria, e o discípulo amado. Os outros fugiram. Sempre me perguntei quem poderia ser o discípulo amado, além da resposta tradicional de que seria o próprio Apóstolo João. Além de quem fosse ou não fosse, esse misterioso, por inominado, “discípulo amado” que, de vez em quando, aparece no Evangelho, parece-me que pode ser você ou eu ou qualquer um que faz a experiência do Evangelho, isto é, que lê e vai acolhendo o evangelho, vai seguindo Jesus até seu compromisso final na cruz, sem fugir, sem se derrubar, mas, pelo contrário, permanece em pé, junto à Mãe ou nova mulher, nova Eva da nova Aliança, junto a Jesus crucificado e acolhendo suas palavras, sua vida dada, seu amor, sua glória até o fim, numa nova e definitiva Aliança do verdadeiro Cordeiro Imolado que supera o pecado e a morte, e traz a Vida eterna ao mundo.
       4º Nosso lugar hoje, como “discípulos amados” continua a ser ao pé da cruz, junto aos crucificados. Por exemplo: os cinqüenta mil mortos em nosso Brasil.
Isto é algo romântico, poético, pouco real?
5º Na simples vida paroquial, não faltam ocasiões.
Lembro um domingo qualquer, de fazem já mais de vinte anos, quando uma senhora piedosa da capela de Nossa Senhora de Nazaré, me telefonou para me pedir que não fosse celebrar a costumeira missa dominical das 16 hs. Perguntei o porque. A resposta: - padre, mataram um rapaz do beco da vaca e botaram o corpo à força na capela. A gangue dele invadiu tudo... Não se poderá celebrar a Missa hoje...
       “Calma – disse eu, procurando uma calma que eu mesmo não tinha- Vou já para aí”. 
        Quando cheguei, na Capela era um Deus nos acuda! O calor da tarde junto a um nervosismo evidente fazia que o suor escorresse pela face de todos. Falei calmamente com os, não muito bem encarados, membros da gangue. Saudei-os um por um. O rapaz morto, no caixão, no corredor da Capela, tinha mãe, ao lado. Uma boa pessoa, conhecida. Abracei-a. Estava aos prantos. O silêncio absoluto a continuação me comoveu profundamente. Fizemos a recomendação do corpo. Todos rezamos. Lá pelas 15,30 hs veio o carro funerário e levou o corpo, que foi acompanhado por alguns. Às 16 hs, como de costume e mais relaxados celebramos a Missa no maior silencio e devoção. Observei que alguns dos pertencentes à gangue ficaram, entre silenciosos e desconfiados, para a Missa. Não estavam acostumados a Missa.
       Não lembro bem, mas naquele ano foram seis ou sete os jovens mortos no beco da vaca, que tinham mães, famílias, na maior parte, pessoas boas que não tinham nada a ver com droga nenhuma e que sofreram as conseqüências. Algumas destas mães me pediram para celebrar Missa no beco, para pedir a Deus o fim da violência. Algumas senhoras piedosas da comunidade me desaconselharam ir, por ser perigoso. Celebrei a Missa na Avenida perpendicular ao beco, que ficou absolutamente lotada. Apesar do escuro da noite, o respeito pela celebração foi absolutamente impressionante. Pedimos ao Senhor da Paz, a paz. E fomos escutados.
Lembro que assim foram os inícios desta violência atual. Naqueles dias o arcebispo de Natal, dom Alair Vilar Fernandes, estarrecido com estas notícias, numa reunião do clero, me perguntou o que era que nós estávamos fazendo com relação a tudo isso. Suspirei na minha impotência: “Dom Alair, a gente sofre... Como e com todo o mundo!”.
       Hoje, aqueles começos, infelizmente, tornaram-se habituais. Ao longo destes anos, não foram poucos os mortos de “morte matada” que foram velados no pequeno salão de vigília que há na paróquia. Sempre são jovens. Não consegui acostumar-me a isto. Quando me chamam para fazer a recomendação do corpo, sempre me comovo interiormente tentando, inutilmente, consolar as mães, irmãos... E leio, mais uma vez, as frases que mandei escrever no pequeno salão para a vigília: “Eu sou a Ressurreição e a Vida”. Na parede da frente esta escrito também a Palavra do Senhor para bandido crucificado com Ele: “Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso”. E parafraseando ao Senhor digo interiormente: “Pai, perdoa-nos, porque não sabemos o que fazemos”.
       Tenham todos uma santa Semana, para todos celebrarmos uma Feliz Páscoa! (Nem que os outros não queiram...)   

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