domingo, 14 de agosto de 2011

MEDITANDO A PALAVRA

20º DOMINGO DO TEMPO COMUM
GRANDE É TUA FÉ!

O tema central das leituras da liturgia deste domingo é a salvação que Deus oferece livremente, sem exclusão, a cada pessoa, a todos os povos. Esta afirmação, que para nós hoje é clara e fora de discussão, foi uma conquista muito difícil para a comunidade dos judeu-cristãos, para quem Mateus escrevia o seu evangelho. É evidente o quanto Israel antigo e aquele contemporâneo de Jesus vivessem a salvação e a aliança como propriedades privadas, quase exclusivas do povo eleito, diante dos “pagãos”, que aos olhos dos judeus eram considerados “cães” (desprezo).

O livro dos Atos dos Apóstolos dá prova do difícil percurso e da lenta abertura da primeira comunidade (At 10-11), o debate no Concílio de Jerusalém (At 15), as controvérsias de Paulo com os judeu-cristãos são claros testemunhos de quanto tenha sido árduo para a Igreja primitiva admitir novos membros provenientes do mundo pagão, isto é, de origem não judia. E ainda mais inconcebível era aceitar-lhes sem passar sob o jugo da antiga Lei.

O texto de Isaías (I leitura) oferece um respiro de universalidade: os estrangeiros entram com alegria na casa de oração, seus sacrifícios são agradáveis a Deus no Templo que Ele abrirá para todos os povos (v. 7). Tal abertura universal, cantada com alegria pelo salmista, ficava ainda condicionada à observância do sábado e à subida ao monte santo (Is 56,6-7), elementos que se tornarão ultrapassados depois da ressurreição de Jesus. A ideia da abertura da salvação para a universalidade (catolicidade) é patente no diálogo e no milagre de Jesus para com a filha da mulher cananeia (Evangelho), originária de Tiro e de Sidônia (v. 21). A superação do exclusivismo aparece claramente, no final, na admiração de Jesus pela fé daquela mulher pagã e estrangeira: ela é consciente de não ser filha, mas “cachorrinhos”, que esperam pelo menos pelas migalhas dos patrões (v. 26-27). Jesus exalta a grande fé daquela mãe, cura naquele instante (a distância) a sua filha adoentada (v. 28). Exatamente como tinha curado o servo do centurião pagão de Cafarnaum, louvando a fé como primícia dos novos comensais do Reino, que “virão do oriente e do ocidente" (Mt 8,10-13).

Depois de fatos como estes, é claro que a pertença ao povo de Deus não acontecerá mais por raça, mas pela fé, que é sempre e somente dom misericordioso e gratuito de Deus, Pai de todos. Pai dos judeus antes, e depois dos pagãos, ensina Paulo aos Romanos (II leitura): a prioridade, ou primogenitura dos judeus é verdadeira, mas só temporária; não significa exclusão dos outros povos. Pois para Paulo, todos os povos foram igualmente desobedientes, rebeldes e infiéis a Deus: os pagãos por primeiros e agora também os judeus: mas agora Deus quer “ser misericordioso para com todos” (v. 32): é o dom e o mistério do amor misericordioso de Deus por todos. Esta é a boa notícia missionária que o mundo precisa urgentemente.

“-minha filha está terrivelmente endemoninhada!”

Falar da possessão diabólica é algo ainda muito complicado, porque ainda há muito a ser estudado e discutido. A própria Igreja Católica ainda não deu um parecer definitivo sobre este assunto, mas vai deixando a coisa rolar, quer por parte da exegese bíblica, da teologia, da parapsicologia, da psiquiatria, e daqueles que praticam os exorcismos.

Entretanto, exegeticamente falando, podemos dizer alguma coisa sobre os endemoninhados do NT e as expulsões feitas por Jesus e seus Apóstolos. Primeiramente, é relevante notar que numa literatura vastíssima como a do AT, não encontramos um relato sequer de possessão diabólica. E é porque muitos relatos do AT são assimilações e adaptações dos mitos da Mesopotâmia, Babilônia, Ugarit entre outros, quando os autores sagrados para revelarem o único e verdadeiro Deus, usaram esses mitos transformando o deus principal em YHWH, e os deuses secundários, incluindo os bons e os maus, respectivamente em anjos bons e em anjos rebeldes como o Satanás, o elemento aquático caótico, o Leviatã entre outros.

Depois dessas transformações que aconteceram na história primitiva de Israel, a tradição judaica se manteve firme e até o judaísmo tardio não aceitava a inserção de nenhum elemento pagão para se manter fiel ao único Deus, embora saibamos das várias infidelidades. Mas, a coisa começou a mudar mesmo quando provavelmente começou a diáspora e os judeus que viveram na dispersão da babilônia, sob o império grego e depois romano, foram assimilando outras ideias. Inclusive, vale ressaltar que Jesus falava aramaico. E todas as suas obras foram postas por escritos por um autor que interpretou o evento e escreveu em língua grega, ou seja, com metáforas, expressões idiomáticas, gêneros literários próprios desta língua.

Assim que fica explicado porque enquanto no AT, não temos relato de possessão demoníaca, no NT, vemos inúmeros relatos. Essas outras ideias que foram assimiladas, pois, eram as que para as religiões pagãs, como a grega e a romana, as doenças internas, ou sejam, aquelas de causa não aparente como a loucura, a epilepsia, a esquizofrenia, a depressão, a histeria, e até a surdez, já que constatamos a presença de ouvidos sem problema aparente, estas doenças eram atribuídas a presença de um daimon, uma espécie de deus de segunda categoria, isto porque eram doenças inobserváveis e misteriosas para a medicina da época, a resposta era essa.

Obviamente, isso não muda em nada o caráter prodigioso do evento de Jesus. Verdadeiramente, Ele curou todas aquelas pessoas que o Evangelho narra como “possuídas”. Entretanto, devemos lembrar sempre que na época, para doenças de causa aparente como a lepra, falava-se de cura, e de causas não aparentes, se falava de expulsão de demônios.

Alguém pode perguntar, mas se Jesus sabia tudo isso, porque ele empregaria estes termos errados? Primeiro, porque o Espírito Santo, o autor das Sagradas Escrituras, inspirou tudo aquilo que devia ser revelado, mas respeitando as faculdades e capacidades dos autores sagrados (por exemplo, quando o autor do livro de Josué escreveu que o sol parou, vemos o respeito de Deus pela limitação humana que naquela época achava que o sol realmente nascia e se punha, ora, o sol sempre esteve parado). Assim, o autor sagrado pôs nestes relatos todo o seu conhecimento, a sua bagagem cultural e linguística grega popular (koiné) da época.

A Igreja primitiva, e aquela posterior foi desenvolvendo essa prática do exorcismo cada vez mais frequente. Mas à medida que a ciência, a medicina ia avançando, a própria Igreja foi fechando os critérios do que se poderia tratar de uma possessão demoníaca. Até que o Concílio Vaticano II finalmente aboliu a ordem menor de exorcista. Enfim, com muita prudência, a Igreja limitou-se a prescrever que só pode exorcizar quem tiver licença peculiar e expressa do Ordinário local. E que o Ordinário só pode prescrever essa licença a um presbítero que se distinga pela piedade, ciência, prudência e integridade de vida (Cân. 1172). Isto porque a Igreja depende do avanço da ciência para se pronunciar definitivamente sobre estas questões.

Claro, o diabo existe e ele atua negativamente no mundo. “Engana os homens fazendo-lhes crer que a felicidade se encontra no dinheiro, no poder, na perversão sexual. Engana os homens persuadindo-os de que não têm necessidade de Deus e que são auto-suficientes, sem necessidade da graça e da salvação. Justamente engana os homens diminuindo ou até fazendo desaparecer o senso do pecado, substituindo à Lei de Deus, como critério de moralidade, os hábitos ou convenções da maioria. [...] Por detrás das mentiras e falsidades, que estampam a imagem do Grande Mentiroso, se desenvolvem as incertezas, as dúvidas, um mundo onde não mais segurança nem Verdade, e onde reina o relativismo e a convicção de que a liberdade consiste em fazer o que se quer; assim, não se compreende mais que a verdadeira liberdade é a identificação com a vontade de Deus, fonte do bem e da única felicidade possível(Boletim da Sala Stampa da Santa Sé, 26-1-1999).

Como bem atesta o Catecismo da Igreja Católica no número 395: “o poder de Satanás não é infinito. Ele não passa de uma criatura, poderosa pelo fato de ser puro espírito, mas sempre criatura; não é capaz de impedir a edificação do Reino de Deus. Embora Satanás atue no mundo por ódio contra Deus e seu Reino em Jesus Cristo, e embora a sua ação cause graves danos – de natureza espiritual e, indiretamente, até de natureza física – para cada homem e para a sociedade, esta ação é permitida pela Divina Providência, que com vigor e doçura dirige a história do homem e do mundo. A permissão divina da atividade diabólica é um grande mistério, mas “nós sabemos que Deus coopera em tudo para o bem daqueles que o amam” (Rm 8,28).

Com certeza, ele exerce uma influência negativa sobre nós, através da distração, da confusão, da dúvida, do medo, da preocupação, do julgamento, tudo isso na base da mentira, mas jamais ele terá domínio sobre a nossa inteligência e vontade. E, obviamente, se ele consegue mexer com a cabeça de alguém que é “normal”, imagine com quem sofre de algum problema mental. Por isso, eu entendo que quando o Catecismo fala de graves danos e, indiretamente, até de natureza física, significa que o demônio não pode ter o controle total, domínio absoluto sobre uma pessoa, possuir um corpo de uma pessoa que já tem seu espírito.

Falo disso porque cada vez mais está na moda esta ideia vinda da macumba, do vudu, do espiritismo, e do movimento pentecostal e neo-pentecostal principalmente presente nas seitas: de que o demônio se apodera de um corpo, sendo necessária a sua expulsão através de alguma prática ritual.

A esta altura do campeonato, acreditar em possessão demoníaca é ler a Bíblia ao pé da letra, é fazer uma leitura fundamentalista das Escrituras. Não podemos ler a Bíblia sob a ótica do fundamentalismo, isto é, sem levar em conta a linguagem e a fraseologia condicionadas por uma época. Como diz a Verbum Domini n. 44, a “leitura fundamentalista constitui uma traição tanto do sentido literal como do espiritual, abrindo caminho a instrumentalizações de variada natureza, recusando ter em conta o caráter histórico da revelação bíblica”. Esta leitura induz à crença no ocultismo, em feitiços, maldições, maus-olhados, vodu, macumba, uma ideia não aceita pela Igreja de que dois espíritos podem ocupar o mesmo corpo, querer nos fazer voltar a era das bruxas.

Ultimamente, com a publicação do novo ritual de exorcismos REFEITO pela Igreja Católica, a discussão cresceu mais ainda. Na verdade, a Igreja não se pronunciou oficialmente sobre o exorcismo. O Papa não oficializou nada, apenas saudou uma comissão de exorcistas em 2005 que há muito lutavam por essa audiência. E o Papa disse unicamente que continuassem a estudar tais fenômenos: “saúdo também os participantes no congresso nacional dos Exorcistas italianos, e encorajo-os a prosseguir no seu importante ministério ao serviço da Igreja, amparados pela vigilante atenção dos seus Bispos e da oração incessante da Comunidade cristã” (14 de setembro de 2005). Tanto é que o novo ritual não agradou aos exorcistas, quem já leu pode ver que praticamente a Igreja querendo tirar todo o caráter mágico e supersticioso como mostra a insatisfação do Pe. Gabriel Amorth, exorcista da Diocese de Roma.

Numa entrevista, ele diz: “No ponto 15 fala-se dos malefícios e de como comportar-se nesse caso. O malefício é um mal causado a uma pessoa recorrendo ao diabo. Pode ser feito em diversas formas, como feitiços, maldições, maus-olhados, vodu, macumba. O Ritual Romano explicava como enfrentá-lo. O novo Ritual, ao contrário, afirma categoricamente que há uma proibição absoluta de fazer exorcismos nesses casos. Absurdo. Os malefícios são de longe a causa mais frequente de possessões e males causados pelo demônio: não menos de 90 por cento. É como dizer aos exorcistas que não ajam mais. O ponto 16 então afirma que não se devem fazer exorcismos se não existe a certeza da presença diabólica. Esta é uma obra-prima de incompetência, pois se tem a certeza da presença do demônio numa pessoa só fazendo o exorcismo”

Em outro ponto da entrevista, ele diz: “Também dentro da Igreja, temos um clero e um episcopado que já não crêem no demônio, nos exorcismos, nos males extraordinários que o diabo pode fazer, e tampouco no poder que Jesus concedeu de expulsar os demônios. Há três séculos que a Igreja latina - ao contrário dos orientais e de várias confissões protestantes - abandonou quase completamente o ministério dos exorcismos. Sem praticá-los, estudá-los nem vê-los, o clero já não crê”. O Pe. Gabriel fala que foram tiradas as orações de libertação e que até o exorcismo no ritual do batismo praticamente desapareceu.

Pois é, desapareceu porque não existe dessa forma supersticiosa, pois se for por falta de oração poderosa contra o mal, o Pai Nosso foi ensinado para isso: “não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”, sem contar a oração de “exorcismo” feita pelo sacerdote durante a Missa depois da oração do Pai Nosso. Acreditar na possessão demoníaca é o mesmo que acreditar em encosto, mau olhado, feitiço, bruxaria, incorporação. Como fala o próprio Pe. Gabriel Amorth: “o conselho número um consiste em ter fé. Depois, viver na graça de Deus. Se se vive em estado de graça, está-se protegido, é mais difícil que a macumba nos atinja. Porém, se se é realmente atingido, é necessário recorrer-se aos exorcismos, a muitas orações, a muitos sacramentos e, com a graça de Deus, se é libertado” ou seja, ele acredita em macumba.

Tenho plena certeza de que o diabo existe e tem um poder no mundo, agindo através da mentira. Mas ele nunca irá tirar a nossa liberdade. Essa ideia supersticiosa na realidade gera um lucro muito grande a começar pelas grandes produções cinematográficas até a venda de um simples amuleto.

Livrai-nos de todos os males, Senhor!

Fonte: www.pecarlos.blogspot.com

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