Giovanni Cucci S.I.
Uma sociedade de
eternos adolescentes?
Continua-se a estar sempre mais
atingido pelo nivelamento das gerações que se vê em rapazes e moças, jovens e
adultos unidos por uma mesma dinâmica: no modo de vestir, falar, se comportar,
mas, sobretudo, nas relações e na afetividade revelam-se muitas vezes as mesmas
dificuldades, até o ponto em que se torna difícil entender quem desses é
realmente o adulto. Ao mesmo tempo, preocupa a sempre maior difundida fuga da
responsabilidade, que leva a procrastinar indefinidamente as escolhas de vida,
iludindo-se de ter sempre intactos, diante de si, todas as possibilidades.
Uma pesquisa da Istat, realizada em 2008 (e, por conseguinte, anterior à
grave crise que infelizmente levou ao desemprego milhares de jovens e de
adultos), revelava que mais de 70% das pessoas com idade entre 19 e 39 anos
vivem ainda com os pais. O motivo é também, mas não somente, econômico, já que
nessa faixa há pessoas com trabalho estável e uma renda que permitiria viver de
maneira independente.
As mesmas pesquisas mostram, além
disso, que na Itália, mas também em outros países da Europa, há um aumento
preocupante de jovens/adultos que pararam numa espécie de “limbo”, sem escolhas
e sem perspectivas. Essa situação abarca uma faixa etária sempre maior, ao
ponto de ser agora classificada como categoria sociológica, “a geração nem-nem”. Mas, principalmente, tal condição, não é vista
como problemática pela maioria das pessoas: “Há 270 mil jovens entre 15 e 19
anos que não estudam e não trabalham (9%): a maior parte porque não encontra
trabalho; 50 mil porque fizeram de sua inatividade uma escolha; há ainda 11 mil
que não querem saber de trabalhar ou estudar (“não me interessa”, “não
preciso”, dizem).
A mesma tendência ocorre nos dados relativos aos jovens entre 25 e 35 anos: um milhão e noventa mil não estudam e não trabalham; ou seja, quase um quarto deles (25%). Um milhão e duzentos mil desses gravitam no desemprego (mas entre estes últimos há quem diga que não procura bem porque está “desanimado” ou porque “de qualquer modo, o emprego não existe mesmo”). Setecentos mil são, ao contrário, os “inativos convictos”: não procuram trabalho e não estão dispostos a procurá-lo [...]. Uma pesquisa espanhola recente, assinada pela sociedade Metroscopia, revela que 54% dos jovens da idade dos 18 aos 35 anos declara “não haver nenhum projeto sobre o qual desenvolver o próprio interesse ou os próprios sonhos”.
A mesma tendência ocorre nos dados relativos aos jovens entre 25 e 35 anos: um milhão e noventa mil não estudam e não trabalham; ou seja, quase um quarto deles (25%). Um milhão e duzentos mil desses gravitam no desemprego (mas entre estes últimos há quem diga que não procura bem porque está “desanimado” ou porque “de qualquer modo, o emprego não existe mesmo”). Setecentos mil são, ao contrário, os “inativos convictos”: não procuram trabalho e não estão dispostos a procurá-lo [...]. Uma pesquisa espanhola recente, assinada pela sociedade Metroscopia, revela que 54% dos jovens da idade dos 18 aos 35 anos declara “não haver nenhum projeto sobre o qual desenvolver o próprio interesse ou os próprios sonhos”.
A essa situação de impasse e confusão acompanha uma igualmente grave crise de
autoridade e de normatividade que, como se verá, constituem um dever educativo
irrenunciável. Tal dever é rejeitado por muitos motivos: porque esses que
deveriam fazer valer a norma, os adultos, não possuem a força, têm medo de
parecerem impopulares ou, muitas vezes, porque muitos não acreditam mais em
ditas normas, vistas somente como uma fonte de conflito e dificuldade.
Mas o aspecto talvez mais triste
dessa carência seja que a norma que o adulto deveria estabelecer, vem a faltar porque, às vezes, os mesmos educadores e
pais se encontram perdidos em problemas afetivos, relacionais, até mesmo de
dependência. E daí a crise profunda do adulto, com o risco de seu
desaparecimento: “Se um adulto é alguém que tenta assumir as consequências de
seus atos e de suas palavras [...], não podemos deixar de constatar um forte
declínio da sua presença na nossa sociedade [...]. Os adultos parecem estar
perdidos no mesmo mar onde se perderam os próprios filhos, sem qualquer
distinção de geração”.
Uma motivação possível, na origem
dessa amálgama indiferenciada, pode ser detectada no prolongamento da meia
idade, própria das últimas décadas e agravada devido à crise econômica atual, a
qual não encoraja a levar em consideração os custos e os esforços adicionais
para comprometer-se numa situação futura incerta. Além disso, a nova cultura
tecnológica contribui para confundir os limites entre a realidade e a fantasia,
que é a característica típica da criança. Já o havia compreendido com lucidez
Johan Huizinga no longínquo 1935: “[O homem moderno] pode viajar de avião,
falar com pessoas do outro hemisfério, comprar guloseimas inserindo poucas
moedas numa máquina automática [...]. Aperta um botão, e a vida cai aos seus
pés. Pode tal vida torná-lo emancipado? Ao contrário. A vida para ele tornou-se
um brinquedo. É de se espantar que ele se comporte como uma criança?”.
A dificuldade de
crescer na sociedade tecnológica
A cultura dita tecnológica se impõe
hoje, não só pela difusão de instrumentos sempre mais sofisticados,
principalmente pela possibilidade de planificar a existência de uma maneira
impensável às gerações precedentes. E isso, especialmente, em nível de
natalidade. Em tal campo, apareceram termos usados sempre mais frequentemente,
até surgir o slogan que resume uma concepção de vida: “procriação
responsável”, filhos “queridos e desejados”, ou mesmo “programáveis”.
Parece assim ter-se realizado o
sonho, desejado por Freud no fim do século XIX, de poder separar a concepção da
pulsão erótica: tal separação não favoreceu, todavia, como esperava o fundador
da psicanálise, o “triunfo da humanidade”. Mais precisamente essa levou a um
empobrecimento psicológico e afetivo, nunca antes conhecido, uma verdadeira
“revolução antropológica”, para retomar o subtítulo de um livro de Marcel
Gauchet.
Desde o seu nascimento, o ser humano
tem a ânsia de que, no fundo, poderia não ter sido desejada e que deve, de
qualquer modo, “merecer” ter vindo ao mundo, correspondendo às fortes
expectativas dos seus pais. Como observa Gauchet: “Disso pode derivar a
invencível fé na própria sorte, ou, ao contrário, a sensação de irremediável
precariedade da própria existência. Em relação àquele desejo que o subtraiu ao
destino comum, manterá muitas vezes uma irredutível aflição [...]. Um filho é
cada vez mais desejado quanto menos é filho da natureza; mais é fruto de um
artifício, qualquer que este seja, menos é aquilo que deve ser: o filho de seus
pais”.
Outro aspecto paradoxal dessa
desenvolvida potencialidade planificadora é que a acurada seleção do nascituro
corresponde sempre menos àquela atenção afetiva e educativa indispensáveis para
educá-lo, tornando-o um adulto responsável. O filho se encontra, ao contrário,
sufocado pela atenção dos pais que, depois de o terem programado por tanto
tempo, veem nele a possibilidade de realizarem suas expectativas, muitas vezes
até de preencherem seus vazios e suas incompetências.
A criança corre o risco, assim, de
ser bem cedo tratada como um mini adulto, sobretudo se está sendo criada por um
genitor solteiro: nesse caso, forte será a tendência a depositar no filho
esperanças e expectativas que na verdade deveriam estar voltadas ao próprio
companheiro, dando origem àqueles perversos díades nas quais o filho ou a filha
são chamados a tornarem-se respectivamente “vice-marido” ou “vice-esposa” do
próprio genitor, impedindo-se de viver a etapa infantil e a própria filiação,
duas condições essenciais para a maturidade psíquica, cognitiva e afetiva.
A “síndrome do filho único”, vista em
outras ocasiões, parece confirmar essa inconsciente agitação, o desconforto de
lidar com a polaridade desejo/rejeição dos pais. Ele se torna assim esmagado
pelas expectativas dos pais, da mesma forma que um brinquedo é chamado a
compensar as carências dos adultos.
Tudo isso contribui à incapacidade de
um filho se tornar adulto; incapaz, sobretudo, de saber o que verdadeiramente
quer da própria vida. Uma vez crescido, aquele menino ou aquela menina
procurarão de fato aquela infância perdida que jamais tiveram, recusando-se a
crescer.
A Síndrome de Peter
Pan
A rejeição ao crescimento é um
fenômeno em expansão, também desde o ponto de vista geracional, a tal ponto de
ocupar a vida inteira do homem. Essa situação de “bloqueio interior”, de
impossibilidade de se passar à fase adulta da vida, foi recentemente ratificada
como categoria psicológica, chamada de Síndrome de Peter Pan através da obra do psicólogo junguiano Dan Kiley.
Ele se inspira no célebre romance de James Barrie Peter and Wendy, publicado em 1911, embora tenha conseguido maior
fama o título escolhido para a representação teatral, de 1904 (Peter Pan: o menino que nunca quis
crescer).
A escolha do personagem, protagonista
do romance, já é por si significativa. Peter era também o nome do irmão de
James que morreu aos catorze anos num acidente de patinagem; enquanto Pan, na
mitologia grega, era filho de Ermes e da filha de Driope, que o rejeitou,
abandonando-o ao seu destino. Como na mitologia e no romance de Barrie, também
na Síndrome de Peter Pan à base da condição instável e errante desse personagem
é principalmente a ausência de relações afetivas importantes, em particular com
os pais, vistos como frios e distantes, ou incapazes de suscitar respeito.
Desse modo, quem sofre dessa síndrome
busca a própria infância perdida, comportando-se como se o tempo tivesse parado,
assumindo por toda a vida a instabilidade psíquica e afetiva própria da
adolescência, prisioneiro “no abismo entre o homem que não se quer tornar e o
garoto que não se pode continuar a ser”. E se essa pessoa, no meio tempo,
também se casa, acaba por entrar em concorrência com os próprios filhos,
imitando-lhes os comportamentos e os modos de pensar. Como confessava uma jovem
desconsolada: “meu pai não faz outra coisa a não ser correr atrás das minhas
amigas e depois quer se confidenciar comigo”.
Por sua vez, os filhos, colocados no
mesmo nível dos seus pais, tendem a comportarem-se como adultos: desse modo,
nenhum dos dois vive as responsabilidades e peculiaridades da própria etapa de
vida; como num jogo perverso, esses vêm trocados, invertendo perigosamente o
significado da derrota edípica: “Se olhamos atentamente ao conteúdo da TV,
podemos encontrar uma documentação bastante precisa não somente do nascimento
da ‘criança adulta’, mas também do adulto ‘feito criança’ [...] Salvo raras
exceções, os adultos na televisão não tomam seriamente o próprio trabalho, não
educam seus filhos, não participam na vida política, não praticam nenhuma
religião, não representam nenhuma tradição, não têm capacidade de pensar o
próprio futuro ou de formular seriamente projetos de vida, não são capazes de
fazer longos discursos e não são nunca capazes de evitar comportamentos dignos
de uma criança de oito anos”.
Na atual sociedade “líquida” a fase
adulta corre o risco assim de reduzir-se a uma expressão de meros dados sem
mais responsabilidades específicas que a caracterizam e, sobretudo, a
diferenciam das fases precedentes da vida, conferindo-lhe uma identidade: ser
adultos era sinônimo de ser maduros, não certamente como as crianças, mas
capazes de assumir responsabilidades. Essas características aparecem sempre
mais raramente, ao ponto em que “não é excessivo falar de uma liquidação da
idade adulta. Estamos assistindo a uma desagregação daquilo que
significava maturidade”.
O desaparecimento
do pai
A contínua popularidade e atualidade
de Peter Pan não falam somente de uma dificuldade de crescimento. Esse
personagem é também uma forma de protesto em relação à fuga dos educadores,
daqueles que podem fazer bela, ainda que difícil, a missão de tornar-se adulto,
deixando-o só: “Se Peter Pan é o símbolo de um fenômeno que tem crescido sempre
mais nos últimos cem anos, ou seja, a obstinada vontade de permanecer criança,
Peter Pan nos diz ainda algo mais inquietante: perdemos os nossos pais como
modelos, os pontos de referência sólidos, fomos abandonados a nós mesmos”.
É significativo que autores das mais
diversas escolas de proveniência individuam particularmente na ausência da
figura paterna, acentuada dramaticamente nas últimas décadas, uma das
principais razões para o vazio de sentido e de identidade que parece ser comum
a jovens e a adultos. Um autor que não pode certamente ser etiquetado de
tradicionalismo nostálgico observa a esse propósito: “O vazio estrutural da
moderna sociedade ocidental provem da ausência do pai. Em certo sentido o
enfraquecimento ou inclusive o desaparecimento de todos os outros papéis de
parentesco derivam daquela lacuna que está no vértice da família”. Nessa falta,
se constata, de fato, a incapacidade de uma geração de transmitir valores e
tradições capazes de ajudar o futuro adulto a enfrentar as dificuldades da vida
tornando, por sua vez, educadores de outros.
O desaparecimento dos vínculos
familiares foi infelizmente visto como o sinal profético da vinda de uma nova
sociedade; nos anos setenta do século passado era desejada a morte do
matrimônio e da família, vista como o símbolo da opressão que penaliza a
liberdade do indivíduo, impedindo a auto realização. Os resultados se
revelaram, porém, muito diversos, precursores de problemas bem mais graves, que
correm o risco de levar ao desaparecimento da sociedade ocidental, como acentua
sempre Scalfari: “na maior parte dos casos o indivíduo, abandonado na sua
solidão, não encontrou outro remédio melhor do que o de confundir-se no bando,
isto é, de se tornar um sujeito anônimo e indiferenciado, sustentado somente
por motivações emocionais”.
Não é mais a comunidade ou o vinculo
a um determinado estrato social, mas sim “o bando” a caracterizar a sociedade
sem adultos, uma sociedade que abandonou o seu dever educativo.
Os Procis, filhos
de um pai ausente
Essa linha de leitura vem confirmada
também na mitologia, na qual está narrada a história do homem e da mulher de
todos os tempos. A categoria de “bando” lembra os Procis, magnificamente
descritos por Homero, aquela massa numerosa (108 segundo a Odisseia XVI, 247 s.), violenta e parasita, dominada
por uma agressividade desenfreada.
Exatamente como Peter Pan, esses não
são mais crianças e nem mesmo homens; não fizeram nenhuma escolha em suas
vidas; vivem cada dia, dos expedientes, gozando do instante presente, sem
nenhum projeto pelo qual valha a pena empenhar-se. A atualidade psicológica e
social desses personagens é digna de atenção: “Os Procis [...] são a massa
supérflua que logo preenche todo vazio de poder na sociedade. Mas na psiché são o adversário interno, a desagregação da
responsabilidade [...]. O que Ulisses odeia decididamente neles não é a
arrogância – que não lhes é uma coisa estranha – mas o viver cada dia, sem
nenhum objetivo: o ato supérfluo (anenysto epi ergo)
[...]. Aquilo que esses representam não pode ser readmitido na civilização, sob
a pena da sua desagregação: a hilaridade, na qual o imaturo esconde o seu medo;
o dia para chegar a noite; a obstinação a conquistar a mulher e a casa, a
rainha e o palácio, sem a disponibilidade para organizar o sistema familiar e
econômico. Mais uma vez, é o quadro do jovem desadaptado”.
O desenvolvimento narrativo da Odisseia faz agudamente notar como esses aparecem no
dia seguinte ao desaparecimento do pai. A partida de Ulisses conduz à
proliferação daqueles: os Procis podem ser considerados como a
prefiguração ante
litteram de Peter Pan. A comparação de
ambos, de fato, não é forçada: é a mesma mitologia grega a colocar esses
personagens em estreita relação entre eles. Pan seria, pois, o fruto da
múltipla união dos Procis com Penélope durante a ausência de Ulisses.
Colocados de frente à “prova do arco”
(que, como veremos, é um símbolo da paternidade) se mostram incapazes de
enfrentá-la (tendendo o arco para lançar a flecha), isso é, de assumir uma
responsabilidade generativa que pode fazer deles homens. Têm idades diferentes,
porém se apresentam com uma única classe, amorfa, sem identidade.
A tarefa de se
tornar adultos
Mas o que significa ser adulto?
Significa, antes de tudo, aceitar não ser mais criança, renunciando aos valores
e comportamentos de idades precedentes para assumir a novos: a renúncia é a
condição do crescimento, como bem tinha intuído Max Scheler.
Deixar uma fase: isto é o que o
adulto atual não parece mais capaz de fazer, antes de tudo, a nível
imaginativo, lamentando-se sempre da criança ou do adolescente que jamais foi.
Trata-se, porém, de acolher o que Freud chamava de o princípio da realidade que
passa por uma ferida, uma experiência de impotência e de mortalidade que,
paradoxalmente, no momento no qual vem assumido, fortalece o ser humano.
Isto era o significado dos “ritos de
passagem” ou de iniciação, que nas sociedades de cada época marcavam o ingresso
do jovem na idade adulta, mediante cerimônias guiadas por adultos. Os ritos de
iniciação resultam fundamentais porque têm como objeto a agressividade, o
sofrimento e a morte, em outras palavras, o ser humano na sua verdade e
fragilidade. O rito podia fazer isso, porque recordava a sacralidade da vida e
a sua relação com Deus; isso era o significado do gesto de tirar com violência
a criança dos braços da mãe (que até aquele momento era o ponto de referência peculiar)
para elevá-la ao céu, um gesto com o qual ela recebe a confirmação da própria
identidade: “O significado desse gesto é claro: se consagram os neófitos ao
Deus celeste”. Essa tarefa sempre foi peculiar do pai.
Quando não se cumprem os ritos de
iniciação, esses não desaparecem, mas enlouquecem, dando origem às derivas do
“bando”. As violências das baby gang,
o bullying masculino e feminino, os estupros de grupo, os
“embalos de sábado à noite”, os comportamentos de risco, o uso de drogas em
grupo, a atração pelo macabro são ritos de iniciação enlouquecidos, pedidos
degenerados de tomar contato com a dimensão da corporeidade, da relação, da
agressividade, do perigo, da morte, mas sem que exista, no entanto, um adulto
capaz de acompanhar-lhes.
O desaparecimento dos adultos se
traduz também numa redefinição dos papéis familiares: não são mais os filhos
que devem aprender dos pais e receber deles normas e ensinamentos, mas ao
contrário, são os pais que se conformam aos critérios e aos comportamentos dos
filhos, procurando desse modo conseguirem a aprovação deles.
A necessidade de um
modelo
Para ser adulto deve-se, pois, ter
recebido uma ferida, aquela ruptura violenta que caracteriza o ingresso na
realidade representada pelos ritos de iniciação. Tomar contato com aquela
ferida significa para o jovem reconhecer e acolher a própria fragilidade. Isso
lhe permite afrontar a realidade, abandonando as fantasias pueris e
reconhecendo os próprios desejos profundos. Tornar-se adulto não significa de
nenhuma maneira sentir-se onipotente, livre de defeitos ou limites, mas ocupar
o próprio lugar, aceitando a possibilidade de equivocar, acolhendo o tempo que
passa.
O primeiro ensinamento que Deus dá ao
homem na Bíblia é exatamente esse: se queres viver, se queres saborear a vida,
recorda-te de que eres criatura, de que não és Deus. Isso é expresso na
proibição de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal (cfr. Gn. 2,
16): no trecho, aquela árvore simboliza o próprio Deus e o homem deve
preservar-se do desejo de querer tomar-lhe o posto, porque acabará se
destruindo. Naquele ensinamento podem-se conter as três etapas fundamentais do
desenvolvimento humano: o nascimento, o desaleitamento, a derrota edípica.
Essas constituem as três diferentes derrotas da onipotência, são os três
“pontos de não-retorno” próprios do crescimento (em relação à condição
pré-natal, ao aleitamento, a um ligame exclusivo com a mãe), indispensáveis
para entrar na realidade, para ser “vivo”. Se cumpridas corretamente, essas
três renúncias permitem, na idade adulta, fazer escolhas definitivas; por outro
lado, a maior parte das dificuldades e do desgosto de viver é ligada exatamente
a esses três aspectos.
À raiz de muitos pedidos de ajuda
psicológica está frequentemente a não aceitação da própria verdade de criatura,
marcada pelo limite e pela fragilidade: não se aceitar a si mesmo, antes de
tudo o próprio corpo (pensemos no boom de
cirurgias plásticas e do lifting com
consequências também graves para a própria saúde, mas também nos distúrbios
alimentares como a bulimia e a anorexia), não se aceita a própria família de
proveniência, a própria história e personalidade.
Dever fundamental da mãe e do pai, o
qual, como visto em outras ocasiões, é símbolo forte do Pai celeste, é
apresentar novamente aos próprios filhos esse ensinamento do livro de Gênesis,
de tomar consciência dos próprios limites, condição fundamental para se tornar
adulto e para produzir frutos na própria vida. Os pais podem fazer isso porque
precedentemente acertaram as contas com a própria fragilidade, com a própria
ferida originária.
Se os pais querem, em vez,
salvaguardar os filhos de todo tipo de dificuldade, isso levará ao aparecimento
de dúvidas e frustrações interiores, que minam, à raiz, a estima de si e a
capacidade de assumir responsabilidades. Principalmente os filhos terão
dificuldades em aproximar-se aos seus desejos profundos, àquilo que realmente
querem das suas vidas: “A clínica dos assim ditos novos sintomas mostra bem
como o problema da atual insatisfação da juventude não seja tanto aquele do
conflito entre o programa do impulso e aquele da Civilização [...], mas de como
aceder à experiência do desejo [...]. A crise atual da operabilidade da ordem
simbólica coincide com a crise do poder de interdição, mas também com a dificuldade
da transmissão do desejo de uma geração a outra”
Trata-se de saber dizer “não”, de
colocar limites, impopulares certamente, mas que permitam de aceder ao desejo
do coração e tornam capaz de superar os obstáculos que se entrepõem à
realização dos mesmos. O limite e a frustração são elementos essenciais da
educação, ainda que acompanhados do afeto e da confiança. Às vezes é o filho
mesmo a pedir esse limite e que uma relação assimétrica (de adulto a filho)
seja posta, também em forma não verbal, como no caso da garota surpreendida
roubando em uma grande loja: “Essa jovem não estava simplesmente fraudando a
lei ou gozando da emoção causada pela sua transgressão.
Em modo paradoxal, ela estava fazendo exatamente o contrário: estava buscando ser vista pela lei, isto é, de fazer existir uma lei. ‘Alguém me vê? Alguém pode me ajudar a não me perder, a não me extraviar? Existe em qualquer lugar uma lei ou, mais simplesmente, um adulto que possa responder-me, que possa perceber a minha existência?’ A pergunta dos nossos jovens insiste e nos coloca com as costas contra o muro: ‘Vocês existem? Os adultos ainda existem? Há alguém ainda que saiba assumir responsavelmente o peso da própria palavra e dos próprios atos?’ Na cleptomania daquela garota podemos perceber toda a grandeza da insatisfação da juventude contemporânea”.
Em modo paradoxal, ela estava fazendo exatamente o contrário: estava buscando ser vista pela lei, isto é, de fazer existir uma lei. ‘Alguém me vê? Alguém pode me ajudar a não me perder, a não me extraviar? Existe em qualquer lugar uma lei ou, mais simplesmente, um adulto que possa responder-me, que possa perceber a minha existência?’ A pergunta dos nossos jovens insiste e nos coloca com as costas contra o muro: ‘Vocês existem? Os adultos ainda existem? Há alguém ainda que saiba assumir responsavelmente o peso da própria palavra e dos próprios atos?’ Na cleptomania daquela garota podemos perceber toda a grandeza da insatisfação da juventude contemporânea”.
O filho pode compreender o valor do
limite se vê nos pais não um tirano que o rejeita, nem o “camarada” que se
coloca no mesmo nível dizendo-lhe sempre “sim”, mas alguém que o introduz com
afeto na realidade, na sua dimensão de mediocridade e de fragilidade. O adulto
pode fazer isso porque antes a acolheu em si mesmo. Isso lhe consente não
colocar-se no mesmo nível daquele que é chamado a educar e de não ceder a
chantagens afetivas.
Não se trata certamente de uma tarefa
fácil: essa é, porém, o único modo para não fazer do filho um escravo dos
próprios caprichos. A incapacidade de dizer “não” é um dos sinais mais fortes
da crise do adulto e da perigosa inversão da derrota edípica, uma inversão
inédita, na qual são os pais a pedir aos filhos de serem reconhecidos.
Retomar o arco de
Ulisses
A crise do adulto, reconhecida e
descrita pela mitologia, pode encontrar, na mesma mitologia, possíveis saídas.
Toda a primeira parte da Odisseia é
chamada de Telemaqueia, a busca afanosa pelo pai ausente, por parte do
filho. Ele não se resigna com o seu desaparecimento, mas deseja ver o pai,
ainda que não o tenha jamais conhecido verdadeiramente, anseia de poder ter
dele ao menos uma imagem para ser impressa na sua mente.
O caso de Telêmaco é muito parecido à
situação da juventude atual. Para ambos não são, certamente, algumas coisas que
lhes faltam, nem mesmo o bem-estar; esses se descobrem, às vezes, desprovidos
daquela representação ideal de si que somente o pai é capaz de dar.
Na Odisseia, Ulisses pode ser finalmente reconhecido como pai
somente quando, no final da poesia, o filho o vê empunhar o arco, com aparência
humilde, mas decidido: “parece que Homero pensou nos nossos tempos e que nos
advertiu: jamais o pai desaparece totalmente. Mas não creiais de reencontrá-lo
nos machos barulhentos: aqueles são os Procis, os eternos não-adultos. Se
alguém, em vez, é humilde, paciente, poderia ser ele, o sobrevivente de guerras
e tempestades”.
O arco pode simbolizar o papel e a
tarefa do pai, que não é delegável; e, de fato, nenhum dos Procis tem a
capacidade de manejá-lo, porque não possuem autoridade para isso. Mas o pai do
qual se fala não é certamente o pai-patrão que caracterizou as nossas
sociedades dos últimos dois séculos, levando ao final à sua rejeição e
afastamento. Ulisses, em vez, diz com precisão Homero, sabe tender o arco como
um músico acaricia a harpa, associando com esse gesto as duas funções
essenciais do pai: a força e a ternura.
Somente quando é capaz de unirem em
si essas duas virtudes, a autoridade e a ternura, Ulisses pode novamente
empunhar o seu arco e meter fim à “noite dos Procis” .
Fonte: http://www.presbiteros.com.br
Olá, me identifiquei com esta "síndrome". O que faço agora?
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